Luzes e incenso
Ao comentar a
solenização da proclamação do Evangelho, nota M.Denis-Boulet: “Todas as
liturgias do Oriente e do Ocidente fazem preceder a leitura de uma procissão:
as luzes e o incenso honram o deslocamento do livro, como na procissão de
entrada honravam o pontífice, e pelo mesmo motivo: um e outro representam Jesus
Cristo”.
As velas que acompanham a procissão do Evangelho
Tradição
bíblica
Na Tenda de Reunião (que
outrora havia sido o santuário itinerante por ocasião da estada no deserto do
Êxodo) acendia-se uma lâmpada para queimar “diante do Senhor” (Ex 27,20-21; cf.
Lv 24,2-4). Ali encontrava-se também o candelabro de ouro, de sete braços (Ex
25,31-40; cf. 37,17-24), que mais tarde tornou-se o próprio símbolo de Israel.
No Apocalipse, João
conservou as imagens da lâmpada e do candelabro, embora mudando seu simbolismo.
Assim, contempla, na visão inaugural, o Cristo ressuscitado, tendo em sua mão
direita “os sete candelabros de ouro, que são as sete Igrejas”, às quais vai
dirigir suas cartas. Ele vê também as sete lâmpadas de fogo queimarem diante do
trono erguido no céu. São, explica ele, “os sete Espíritos de Deus”.
Tradição
litúrgica
Na antiga liturgia romana, as tochas ou velas constituem muito
naturalmente uma escolta de honra. Sete tochas acompanhavam a entrada solene do
bispo e do Evangeliário. Essas sete tochas ou velas formarão uma coroa de honra
em torno do altar; depois, reduzidas a seis (por causa da simetria), serão
colocadas sobre o altar. Os dois castiçais que subsistiram para os dois
acólitos do rito romano são um testemunho desse antigo esplendor da procissão
do Evangeliário.
A luz é também símbolo
de Deus. Esse simbolismo culmina no Novo Testamento com a afirmação de Jesus:
“Eu sou a luz do mundo” (Jo 8,12). Por ocasião da festa dos Tabernáculos,
instalavam-se no templo de Jerusalém, no átrio das mulheres, quatro imensos
candelabros, e seu fulgor era tão grande, dizia-se, que iluminava todo o
interior da Cidade santa. É nesse contexto que Jesus afirma que Ele é não
somente a luz do seu povo, mas ainda a luz do mundo.
Na procissão do
Evangeliário, o simbolismo da luz é múltiplo.
·
A
luz presta honra à dignidade do Evangeliário e, através dele, venera o Cristo.
·
Simboliza
o próprio Cristo que o Evangelho proclama “luz do mundo”.
·
Lembra
também, sobretudo no círio pascal, a Ressurreição do Cristo. É à luz do
Ressuscitado que se proclama o Evangelho.
·
Significa
enfim a espera do Dia eterno em que a Igreja inteira será transfigurada pela
luz do Cordeiro (Ap 22,23).
Contemplando a luz e
ouvindo as palavras de Cristo, os cristãos oram para que sua própria vida se
torne Evangelho e cada um deles, como e com o Cristo, “luz do mundo” (Mt 5,14).
O incenso
Tradição
bíblica
A exemplo das antigas
religiões orientais, Israel utilizou largamente o incenso em seu culto. No
Templo de Salomão, o altar dos perfumes se erguia diante do Santo dos Santos.
Aí se fazia queimar o incenso duas vezes ao dia, à tarde e pela manhã. Era o
símbolo da oração que sobe para o trono de Deus como sacrifício de louvor.
Esse altar de ouro é
transportado ao céu para a liturgia celeste conforme o Apocalipse. Vê-se aí o
anjo colocado a serviço do altar dos perfumes a oferecer ao mesmo tempo os
perfumes e as orações dos santos sobre o altar de ouro colocado diante do trono do céu. Ali se
contemplam também os vinte e quatro Anciãos – sem dúvida os justos do Antigo
Testamento – acompanhados pela harpa, cantarem o cântico novo e oferecerem as
taças cheias de perfumes, que são as orações dos santos (Ap 5,8 e 8,3-4).
Tradição
litúrgica
Com um passado tão rico
sob o plano bíblico, incenso terá facilmente encontrado porta aberta para
entrar no culto cristão. Mas o fato de que os cultos idólatras o utilizavam
largamente pôde suscitar na consciência cristã desagradáveis lembranças. Quanto
ao Oriente, o primeiro testemunho que temos parece ser no século IV. O incenso
ali era utilizado precisamente por ocasião da proclamação do Evangelho. Ao
descrever a liturgia da vigília dominical na Igreja da Ressurreição em Jerusalém,
a peregrina Etéria conta: “São trazidos os turíbulos à gruta da Anastasis e
toda a basílica transborda de aromas. Então, de pé, além do gradil, o bispo
toma o Evangelho, aproxima-se da porta e lê, ele mesmo, a ressurreição do
senhor”.
No ocidente, é preciso
esperar os Ordines Romani dos séculos
VII e VIII para ver mencionado o uso do incenso. É levado diante do papa e por
ocasião da procissão do Evangelho.
Levando o incenso a
frente do Evangeliário, a comunidade quer significar que prepara à Palavra de
Jesus um caminho de perfume. Ao incensar o próprio livro, ela significa a
veneração e a oração que lhe oferece. Do mesmo modo que os Magos, quando
encontraram o Menino-Rei, se prostraram diante dele num gesto de adoração, e
lhe ofereceram ouro, incenso e mirra, assim a comunidade cristã que encontrou o
Messias-Salvador no Evangelho oferece-lhe o incenso de sua oração e de sua
adoração.
Sugestões pastorais
Luzes
O simbolismo da luz é
fácil de se perceber. A procissão com as luminárias é fácil de se realizar. A
cada Domingo, dia do Ressuscitado e festa semanal dos cristãos dever-se-ia
aproveitar. Enriquecerá com uma nota alegre e festiva a proclamação do
Evangelho. Jerônimo (Ϯ
419/420) dá o seguinte testemunho para sua época: “Em todas as igrejas do
Oriente, quando se deve ler o Evangelho, acendem-se as luzes, mesmo que o sol
já esteja brilhando. Não é para afugentar as trevas, mas para dar um sinal de
alegria”. Esse sinal de alegria é sempre válido para o nosso tempo.
Quanto ao círio pascal,
perto do ambão, lembrará à comunidade que o anúncio do Evangelho se faz à luz
da Ressurreição. Só o Ressuscitado pode abrir nossos corações à compreensão da
Palavra.
Incenso
A oferta de incenso é
considerada em alta estima nas liturgias orientais com também nos países do
Extremo Oriente. Ela aí encontra de modo pleno o seu lugar. Não se deve forçar
uma explicação forçada sobre o seu significado porque, se não houver uma
secreta conivência entre a comunidade e os sinais que ela utiliza, cai-se
facilmente na emboscado do ritualismo. Um sinal é tanto mais eloquente quando
não há necessidade de falar para explicá-lo, quando ele é compreendido
instintivamente.
É inútil acrescentar
que, se se utiliza o incenso, é preciso fazê-lo com generosidade. Que o
turíbulo fumegue com a alegria, que o fogo seja generoso, que o incenso seja
bem perfumado e se irradie sobre a assembléia!
Um insignificante grão de incenso colocado sobre um carvão preguiçoso e agonizante
não resolve nada. Se o rito for sem vida, não tem mais força para falar.
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