quarta-feira, 9 de maio de 2012

O uso do Evangeliário - 1ª parte


Exposição do Evangeliário sobre o altar


O rito
O Missal prevê a deposição do Evangeliário sobre o altar antes da proclamação do Evangelho. Essa deposição equivale praticamente a uma “entronização” (semelhante à “exposição” do Santíssimo Sacramento sobre o altar). Duas soluções são propostas:
1.      O Evangeliário é deposto sobre o altar antes da celebração eucarística.
2.      É deposto no início da celebração pelo leitor ou o diácono que o transportaram durante a procissão de entrada. (IGMR 79, 82 c, 84 e 129). Preferível.

A melhor solução sob o ponto de vista do plano litúrgico e que tem a preferência do missal é a seguinte: a comunidade dispõe de um Lecionário e de um Evangeliário; o Lecionário é colocado no ambão antes da missa (IGMR 80); o Evangeliário é  levado em procissão pelo diácono ou, em sua falta, pelo primeiro leitor e colocado sobre o altar, de onde será tirado para a proclamação do Evangelho pelo próprio diácono ou pelo presidente da celebração.

Seu significado
Qual o significado desse rito? Essa deposição sobre o altar confere ao Evangeliário uma honra excepcional. Na tradição litúrgica, o altar é, com efeito:

“O sinal do próprio Cristo, o lugar onde se realizam os mistérios da salvação e como que o centro da assembleia dos fiéis, ao qual se deve o maior respeito. O centro da ação de graças que se realiza plenamente pela Eucaristia” (IGMR 259)

O novo ritual para a consagração das igrejas resume o ensinamento da tradição cristã nessa máxima: Altare Christus est, “o altar é o Cristo”. Outrossim, até os séculos IX e X, somente a Eucaristia e o Evangeliário gozavam do privilégio de serem depositados sobre o altar. Conforme antigos rituais de consagração dos altares, o bispo dispunha os inícios dos quatro Evangelhos sobre o altar. Sabe-se também que, por ocasião dos Concílios, o Evangeliário era e é solenemente entronizado sobre o altar, como que para significar que o Cristo em pessoa presidia a assembleia reunida em seu nome. A respeito do terceiro concílio ecumênico de Éfeso, em 431, Cirilo de Alexandria atesta:

            “O santo Sínodo, reunido na igreja dedicada a Maria, instituiu de certo modo o Cristo como membro e cabeça do Concílio. Com efeito, o venerável Evangelho foi colocado num trono”.

O significado desses ritos é claro. Quando o diácono ou sacerdote tira o Evangeliário de cima do altar, sinal do Cristo, dá a entender de modo magnífico que as palavras que vai proclamar não são suas, mas de Jesus. “O Cristo fala, diz o Concílio (SC 7), enquanto se lêem as santas Escrituras”. É essa afirmação que o rito de exposição do Evangelho salienta majestosamente.
O altar é também o centro da assembléia celebrante. É pois nesse centro que se enraíza a palavra de Jesus. É desse centro que ela se irradia sobre a comunidade.
Particularmente significativa é a exposição do Evangelho antes da celebração: os fiéis, ao entrarem na igreja, são assim de certo modo acolhidos pelo Cristo. Nesse espírito é que certas comunidades conservam o Evangeliário entronizado no altar, mesmo fora das ocasiões de celebração. Seria excelente, que esse costume se generalizasse no nosso rito romano, cumprindo inclusive um mandato de nosso atual pontífice Bento XVI: “Os espaços sagrados, mesmo fora da ação litúrgica, revistam-se de eloqüência, apresentando o mistério cristão relacionado com a Palavra de Deus, dando-se atenção especial ao ambão, enquanto local litúrgico donde serão proclamadas as leituras. Além disso, os padres sinodais sugerem que, nas igrejas, haja um local de honra onde se possa colocar a Sagrada Escritura mesmo fora da celebração. Realmente é bom que o livro onde está contida a palavra de Deus tenha dentro do templo cristão um lugar visível e de honra, mas sem tirar a centralidade que compete ao sacrário que contém o santíssimo sacramento” (VD 68). Uma alternativa seria ter junto à entrada principal de nossas Igrejas um espaço estável, digno e belo que expusesse o Evangeliário diuturnamente, e deste local transladado pelo diácono ou pelo leitor no início das celebrações dominicais até o altar.
Esse significado é tanto mais eloquente quanto, conforme a antiga tradição, só se depõe sobre o altar o livro dos Evangelhos e o Corpo eucarístico do Senhor. Logo, com muito maior razão é preciso retirar do altar os objetos que nada tem a fazer ali, como as galhetas de água e vinho com a bandeja para lavar as mãos, o manustérgio, etc.
Segue o testemunho de padre Lucien Diens: “Encontrava-me em Assiout, no Médio Egito, para um encontro bíblico. O bispo, de rito copta, convidou-me um dia para visitar sua catedral. Aceitei de boa vontade. Era uma igreja de belas proporções, sem ênfase arquitetônica. Quando entrávamos e nos aproximavamos do altar, o bispo me disse com delicadeza: “Para a visita, o senhor pode tirar seus sapatos”. Eu já o havia tirado discretamente, porque sabia que os cristãos coptas só entram no santuário com os pés descalços. Entramos então, demos uma volta ao redor do altar, com reverência. Um menino, carregando uma cruz, nos precedia, como se fosse uma celebração litúrgica. Saimos depois do santuário, caminhando de costas, pois, conforme a tradição copta, o padre, por deferência, tem sempre sua face voltada para o altar, nunca as costas. Não quero dizer que é preciso “coptizar” nossa liturgia romana. Ela tem sua beleza particular, entretecida de sobriedade e limpidez. Mas podemos deixar-nos instruir com utilidade pelo espírito das liturgias orientais. Em contato com elas, podemos vivificar a veneração devida ao altar, sinal do Cristo e centro da comunidade celebrante. É claro que o simbolismo tão expressivo do Evangeliário sobre o altar só exprime seu forte significado, quando o simbolismo do próprio altar é posto em foco em primeiro lugar”.

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