segunda-feira, 28 de maio de 2012

Uso de Tochas e Incenso na procissão do Evangeliário


Luzes e incenso
Ao comentar a solenização da proclamação do Evangelho, nota M.Denis-Boulet: “Todas as liturgias do Oriente e do Ocidente fazem preceder a leitura de uma procissão: as luzes e o incenso honram o deslocamento do livro, como na procissão de entrada honravam o pontífice, e pelo mesmo motivo: um e outro representam Jesus Cristo”.

As velas que acompanham a procissão do Evangelho

Tradição bíblica
Na Tenda de Reunião (que outrora havia sido o santuário itinerante por ocasião da estada no deserto do Êxodo) acendia-se uma lâmpada para queimar “diante do Senhor” (Ex 27,20-21; cf. Lv 24,2-4). Ali encontrava-se também o candelabro de ouro, de sete braços (Ex 25,31-40; cf. 37,17-24), que mais tarde tornou-se o próprio símbolo de Israel.
No Apocalipse, João conservou as imagens da lâmpada e do candelabro, embora mudando seu simbolismo. Assim, contempla, na visão inaugural, o Cristo ressuscitado, tendo em sua mão direita “os sete candelabros de ouro, que são as sete Igrejas”, às quais vai dirigir suas cartas. Ele vê também as sete lâmpadas de fogo queimarem diante do trono erguido no céu. São, explica ele, “os sete Espíritos de Deus”.

Tradição litúrgica
Na antiga liturgia romana, as tochas ou velas constituem muito naturalmente uma escolta de honra. Sete tochas acompanhavam a entrada solene do bispo e do Evangeliário. Essas sete tochas ou velas formarão uma coroa de honra em torno do altar; depois, reduzidas a seis (por causa da simetria), serão colocadas sobre o altar. Os dois castiçais que subsistiram para os dois acólitos do rito romano são um testemunho desse antigo esplendor da procissão do Evangeliário.
A luz é também símbolo de Deus. Esse simbolismo culmina no Novo Testamento com a afirmação de Jesus: “Eu sou a luz do mundo” (Jo 8,12). Por ocasião da festa dos Tabernáculos, instalavam-se no templo de Jerusalém, no átrio das mulheres, quatro imensos candelabros, e seu fulgor era tão grande, dizia-se, que iluminava todo o interior da Cidade santa. É nesse contexto que Jesus afirma que Ele é não somente a luz do seu povo, mas ainda a luz do mundo.
Na procissão do Evangeliário, o simbolismo da luz é múltiplo.

·        A luz presta honra à dignidade do Evangeliário e, através dele, venera o Cristo.
·        Simboliza o próprio Cristo que o Evangelho proclama “luz do mundo”.
·        Lembra também, sobretudo no círio pascal, a Ressurreição do Cristo. É à luz do Ressuscitado que se proclama o Evangelho.
·        Significa enfim a espera do Dia eterno em que a Igreja inteira será transfigurada pela luz do Cordeiro (Ap 22,23).
Contemplando a luz e ouvindo as palavras de Cristo, os cristãos oram para que sua própria vida se torne Evangelho e cada um deles, como e com o Cristo, “luz do mundo” (Mt 5,14).

O incenso

Tradição bíblica
A exemplo das antigas religiões orientais, Israel utilizou largamente o incenso em seu culto. No Templo de Salomão, o altar dos perfumes se erguia diante do Santo dos Santos. Aí se fazia queimar o incenso duas vezes ao dia, à tarde e pela manhã. Era o símbolo da oração que sobe para o trono de Deus como sacrifício de louvor.
Esse altar de ouro é transportado ao céu para a liturgia celeste conforme o Apocalipse. Vê-se aí o anjo colocado a serviço do altar dos perfumes a oferecer ao mesmo tempo os perfumes e as orações dos santos sobre o altar de  ouro colocado diante do trono do céu. Ali se contemplam também os vinte e quatro Anciãos – sem dúvida os justos do Antigo Testamento – acompanhados pela harpa, cantarem o cântico novo e oferecerem as taças cheias de perfumes, que são as orações dos santos (Ap 5,8 e 8,3-4).

Tradição litúrgica
Com um passado tão rico sob o plano bíblico, incenso terá facilmente encontrado porta aberta para entrar no culto cristão. Mas o fato de que os cultos idólatras o utilizavam largamente pôde suscitar na consciência cristã desagradáveis lembranças. Quanto ao Oriente, o primeiro testemunho que temos parece ser no século IV. O incenso ali era utilizado precisamente por ocasião da proclamação do Evangelho. Ao descrever a liturgia da vigília dominical na Igreja da Ressurreição em Jerusalém, a peregrina Etéria conta: “São trazidos os turíbulos à gruta da Anastasis e toda a basílica transborda de aromas. Então, de pé, além do gradil, o bispo toma o Evangelho, aproxima-se da porta e lê, ele mesmo, a ressurreição do senhor”.
No ocidente, é preciso esperar os Ordines Romani dos séculos VII e VIII para ver mencionado o uso do incenso. É levado diante do papa e por ocasião da procissão do Evangelho.
Levando o incenso a frente do Evangeliário, a comunidade quer significar que prepara à Palavra de Jesus um caminho de perfume. Ao incensar o próprio livro, ela significa a veneração e a oração que lhe oferece. Do mesmo modo que os Magos, quando encontraram o Menino-Rei, se prostraram diante dele num gesto de adoração, e lhe ofereceram ouro, incenso e mirra, assim a comunidade cristã que encontrou o Messias-Salvador no Evangelho oferece-lhe o incenso de sua oração e de sua adoração.

Sugestões pastorais
Luzes
O simbolismo da luz é fácil de se perceber. A procissão com as luminárias é fácil de se realizar. A cada Domingo, dia do Ressuscitado e festa semanal dos cristãos dever-se-ia aproveitar. Enriquecerá com uma nota alegre e festiva a proclamação do Evangelho. Jerônimo (Ϯ 419/420) dá o seguinte testemunho para sua época: “Em todas as igrejas do Oriente, quando se deve ler o Evangelho, acendem-se as luzes, mesmo que o sol já esteja brilhando. Não é para afugentar as trevas, mas para dar um sinal de alegria”. Esse sinal de alegria é sempre válido para o nosso tempo.
Quanto ao círio pascal, perto do ambão, lembrará à comunidade que o anúncio do Evangelho se faz à luz da Ressurreição. Só o Ressuscitado pode abrir nossos corações à compreensão da Palavra.

Incenso
A oferta de incenso é considerada em alta estima nas liturgias orientais com também nos países do Extremo Oriente. Ela aí encontra de modo pleno o seu lugar. Não se deve forçar uma explicação forçada sobre o seu significado porque, se não houver uma secreta conivência entre a comunidade e os sinais que ela utiliza, cai-se facilmente na emboscado do ritualismo. Um sinal é tanto mais eloquente quando não há necessidade de falar para explicá-lo, quando ele é compreendido instintivamente.

É inútil acrescentar que, se se utiliza o incenso, é preciso fazê-lo com generosidade. Que o turíbulo fumegue com a alegria, que o fogo seja generoso, que o incenso seja bem perfumado e se irradie sobre a assembléia!  Um insignificante grão de incenso colocado sobre um carvão preguiçoso e agonizante não resolve nada. Se o rito for sem vida, não tem mais força para falar.

terça-feira, 22 de maio de 2012

O canto do "Aleluia" no momento da aclamação a Cristo no Evangelho


O "aleluia" referente à procissão do Evangelho

 












Para acompanhar a procissão do Evangelho, a liturgia propõe o canto do Aleluia (ou de uma outra aclamação durante a Quaresma) e versículos, anunciando o Evangelho. Alleluia é a adaptação do hebraico Halelu-Yah que significa Louvai-Yah(vé). Por seu caráter alegre e triunfante, o Aleluia evoca o canto da Igreja resgatada. Constitui-se como uma alegre aclamação pascal a Cristo, e acompanha a procissão solene do Evangeliário e a vinda do Senhor pela Palavra.

Tradição Bíblica
Esse convite ao louvor lê-se nos salmos ditos aleluiáicos – trata-se dos Sl 104-106(105-107), 110-113(111-114), 115-117(116-118), 134-135(135-136), 145(146)-150 – entre os quais fazem parte do Hallel – 112-117(113-118) – que o Cristo recitou na última ceia. O aleluia não precisa, pois, mendigar o direito de entrar na liturgia da missa: ele aí se encontra “em casa” desde a primeira eucaristia, e foi o Senhor mesmo quem o introduziu.

Em sua Nínive de tristeza para onde havia sido deportado, Tobias o Ancião não cessa de sonhar com uma Jerusalém onde as próprias casas cantarão aleluia.
            “As portas de Jerusalém farão ressoar cânticos de alegria,
            e todas as suas casas dirão: Aleluia! Bendito seja o Deus de Israel!” (Tb 13,17).

No Novo Testamento, lê-se o Aleluia no fim do livro do Apocalipse, no canto de triunfo dos resgatados da terra. Aleluia é como que o refrão que dá ritmo à aclamação:
            “Ouvi como que a voz de uma imensa multidão no céu que clamava:
            Aleluia!
            A salvação, a glória e o poder são do nosso Deus.
            Sim, verdadeiros e justos são seus julgamentos.
            Aleluia! (...)
Os vinte e quatro anciões e os quatro seres vivos se prostraram e adoraram o Deus que está sentado no trono, dizendo: Amém! Aleluia!. Ouvi depois como que o rumor de uma grande multidão, semelhante ao fragor das águas torrenciais e ao ribombar de fortes trovões, aclamando:
Aleluia! Pois reina o Senhor nosso Deus, o Todo-poderoso.
            Alegremo-nos e exultemos, demos-lhe glória,
            pois aí estão as núpcias do Cordeiro” (Ap 19,1-4.6).

Tradição Litúrgica
É, portanto, a partir da liturgia do céu que se relaciona o Aleluia da aclamação ao Evangelho. Cabe a música, à composição melódica, criar um clima de esplendor e exultação, tornando o canto do aleluia uma verdadeira aclamação a Cristo que triunfalmente passa por entre os seus para anunciar-lhes Palavra de vida eterna. A procissão, as velas, o incenso, as flores, as danças, tudo isso de nada serviria se a música não fosse festiva e alegre.
Segundo pe. Gelineau, grande liturgista musical do início da reforma litúrgica, o Aleluia é “uma aclamação pascal ao Verbo de Deus, um “Viva Deus”; um grito que resume todo louvor. É um brado de vitória e salvação, grito de admiração e alegria, grito de fé e de amor, grito de ação de graças do povo eternamente salvo”[1].
O anúncio do Evangelho, por sua importância em relação às outras leituras, merece uma distinção especial: toda a assembleia põe-se de pé e canta exaltando a Cristo presente que vai falar, enquanto o diácono ou padre, com o livro dos Evangelhos erguido solenemente se encaminha processionalmente (acompanhado por acólitos ou coroinhas com velas e, eventualmente turíbulo) para deixar Cristo falar, ou seja, proclamar o Evangelho da salvação. Na quaresma, as demais formas de aclamação que substituem o aleluia desempenham uma função idêntica.

Sugestões pastorais[2]
Quem canta? É um canto iniciado por todos. O coral ou o solista executa o versículo após o Aleluia e o povo repete a aclamação. Para solenizar mais, é possível ao coral cantar a mais vozes na resposta do aleluia, sobrepondo-se ao canto do povo para enriquecê-lo harmonicamente e dar um sentido de plenitude. O ritmo pode ser mais marcado, por ser uma procissão e uma aclamação. O clima geral que o canto deve despertar será de expectativa, prontidão... pois o Senhor vai falar.
Qualquer aclamação deve ser sempre um canto vibrante e alegre, ainda mais em se tratando da aclamação pascal do aleluia. A música, a melodia e instrumentos deverá expressar o entusiasmo de um povo que dá um “viva” a seu herói, de uma multidão que “vibra” torcendo num estádio pelo time de seu coração, à semelhança dos grandes salmos de aclamação e de louvor a Deus-Rei-Salvador.
Os instrumentos tem grande papel neste canto para comunicar exultação, alegria, entusiasmo, plenitude. Se no salmo responsorial os instrumentos tinham como função apenas de sustentação, levando à meditação, aqui seu papel é preponderante. O canto e a melodia deverá ser forte (até fortíssimo!) quando o povo canta; menos forte quando o solista ou o coral canta o refrão.
É um dos cantos mais breves da missa. Canta-se durante a procissão do Evangelho. Se sobrar tempo, os instrumentos poderão preencher o tempo com um poslúdio bem feito.


[1] GELINEAU, Joseph. Canto e música no culto cristão – princípios, leis e aplicações. Tradução de Maria Luiza Amarante. Petrópolis: Vozes, 1968.
[2] CNBB, Estudo sobre os cantos da missa. Coleção “Estudos da CNBB nº 12), São Paulo, Paulinas, 1978. Para aprofundamento das características do canto do Aleluia, convém retomar as páginas 58-71 e observar os exemplos apresentados.

terça-feira, 15 de maio de 2012

O uso do Evangeliário - 2ª parte


A procissão do Evangelho   
Eis que se adianta a procissão do Santo Evangelho


Entre as procissões que se realizam durante a missa, a do Evangelho deveria ser a mais festiva e a mais alegre. Com efeito, enquanto a procissão de entrada, a das oferendas e a da comunhão, têm todas por finalidade satisfazer a uma necessidade prática (formar a assembléia, levar as oferendas ao altar, receber a comunhão), a procissão do Evangelho tem por primeira e principal finalidade a glorificação do Cristo na sua Palavra e a aclamação da sua presença. Eis aqui o ponto culminante da celebração da Palavra. Conforme o antigo Ordo da liturgia galicana (VI século), o clero cantava: “Portas, levantai vossos frontões! Elevai-vos, portas eternas! Entre o Senhor todo-poderoso,o Rei da glória” (Sl 23(24),7). E o Ordo do VI século explica: “Eis que se adianta a procissão do Santo Evangelho, como o poderio do Cristo triunfando da morte, em meio aos cânticos acima citados e dos sete candelabros (que são os sete dons do Espírito Santo, ou ainda as lâmpadas da Lei antiga, crucificadas pelo mistério da cruz). (O diácono) sobe ao ambão, como o Cristo à cátedra do reino do Pai, e dali proclama os dons da vida, enquanto os clérigos aclamam: Glória a vós, Senhor!”.
Tais palavras são tiradas dos ritos referentes à liturgia galicana do VI século, mas podem iluminar sobremaneira nossos olhos quando celebrarmos os nossos ritos atuais. Os ritos mudaram, mas o sentido permanece.

O rito do Evangelho hoje
Eis o que hoje prescreve a liturgia romana para o diácono em nossa liturgia atual:
“Enquanto se canta o Aleluia ou outro canto (na quaresma), se for usado o incenso, o diácono o oferece ao sacerdote para que o coloque. Em seguida, inclinado diante do sacerdote, pede a bênção, dizendo em voz baixa. O diácono responde: Amém, em seguida, se o livro dos Evangelhos estiver sobre o altar, ele o toma e se dirige ao ambão, precedido pelos ministros, se houver, que carregam os castiçais e, se se julgar oportuno, o incenso. Do ambão, saúda o povo, incensa o livro e proclama o Evangelho”.

Quando a missa é celebrada sem diácono, o ritual é fundamentalmente o mesmo, com as necessárias adaptações: “Enquanto se canta o Aleluia ou outro canto, o sacerdote..., com as mãos postas, e inclinado diante do altar, reza em voz baixa... Então, se o livro dos Evangelhos está sobre o altar, ele o toma e, precedido pelos ministros – que podem levar o incenso e as velas - , dirige-se ao ambão” (IGMR 93-94). 

Sugestões pastorais
O coração do rito, se considerado no que tem de mais simples, mas perfeitamente significativo, assim se apresenta: o sacerdote toma o Evangeliário, palavra do Cristo, de cima do altar, que representa o Cristo, e o leva ao ambão, lugar da Palavra de Deus, enquanto se aclama o Senhor. Parece-nos que essa procissão, que conserva a transparência de seu significado em todas as circunstâncias, deveria ser realizada em todas as missas dominicais. Mesmo que o espaço exíguo não permita uma procissão solene (embora nossos templos devessem ser construídos levando em consideração todos os ritos celebrativos, logo, também o da procissão do Evangelho), dever-se-ia ao menos fazer a ostensio Evangelii, isto é, mostrar o livro dos Evangelhos: o celebrante toma o livro de cima do altar, mostra-o à assembléia que aclama o Cristo com o canto dos homens novos: o Aleluia. Essa ostensio é semelhante à da hóstia consagrada e à do cálice, por ocasião da consagração. Mesmo em situações as mais humildes, o rito conserva seu luminoso significado. É esse coração do rito que o “Diretório das missas para crianças” sugere realizar quando convida as crianças a participarem da procissão do Evangeliário: “A participação ao menos de algumas crianças na procissão do Evangeliário assinala mais claramente a presença do Cristo anunciando a palavra a seu povo”.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

O uso do Evangeliário - 1ª parte


Exposição do Evangeliário sobre o altar


O rito
O Missal prevê a deposição do Evangeliário sobre o altar antes da proclamação do Evangelho. Essa deposição equivale praticamente a uma “entronização” (semelhante à “exposição” do Santíssimo Sacramento sobre o altar). Duas soluções são propostas:
1.      O Evangeliário é deposto sobre o altar antes da celebração eucarística.
2.      É deposto no início da celebração pelo leitor ou o diácono que o transportaram durante a procissão de entrada. (IGMR 79, 82 c, 84 e 129). Preferível.

A melhor solução sob o ponto de vista do plano litúrgico e que tem a preferência do missal é a seguinte: a comunidade dispõe de um Lecionário e de um Evangeliário; o Lecionário é colocado no ambão antes da missa (IGMR 80); o Evangeliário é  levado em procissão pelo diácono ou, em sua falta, pelo primeiro leitor e colocado sobre o altar, de onde será tirado para a proclamação do Evangelho pelo próprio diácono ou pelo presidente da celebração.

Seu significado
Qual o significado desse rito? Essa deposição sobre o altar confere ao Evangeliário uma honra excepcional. Na tradição litúrgica, o altar é, com efeito:

“O sinal do próprio Cristo, o lugar onde se realizam os mistérios da salvação e como que o centro da assembleia dos fiéis, ao qual se deve o maior respeito. O centro da ação de graças que se realiza plenamente pela Eucaristia” (IGMR 259)

O novo ritual para a consagração das igrejas resume o ensinamento da tradição cristã nessa máxima: Altare Christus est, “o altar é o Cristo”. Outrossim, até os séculos IX e X, somente a Eucaristia e o Evangeliário gozavam do privilégio de serem depositados sobre o altar. Conforme antigos rituais de consagração dos altares, o bispo dispunha os inícios dos quatro Evangelhos sobre o altar. Sabe-se também que, por ocasião dos Concílios, o Evangeliário era e é solenemente entronizado sobre o altar, como que para significar que o Cristo em pessoa presidia a assembleia reunida em seu nome. A respeito do terceiro concílio ecumênico de Éfeso, em 431, Cirilo de Alexandria atesta:

            “O santo Sínodo, reunido na igreja dedicada a Maria, instituiu de certo modo o Cristo como membro e cabeça do Concílio. Com efeito, o venerável Evangelho foi colocado num trono”.

O significado desses ritos é claro. Quando o diácono ou sacerdote tira o Evangeliário de cima do altar, sinal do Cristo, dá a entender de modo magnífico que as palavras que vai proclamar não são suas, mas de Jesus. “O Cristo fala, diz o Concílio (SC 7), enquanto se lêem as santas Escrituras”. É essa afirmação que o rito de exposição do Evangelho salienta majestosamente.
O altar é também o centro da assembléia celebrante. É pois nesse centro que se enraíza a palavra de Jesus. É desse centro que ela se irradia sobre a comunidade.
Particularmente significativa é a exposição do Evangelho antes da celebração: os fiéis, ao entrarem na igreja, são assim de certo modo acolhidos pelo Cristo. Nesse espírito é que certas comunidades conservam o Evangeliário entronizado no altar, mesmo fora das ocasiões de celebração. Seria excelente, que esse costume se generalizasse no nosso rito romano, cumprindo inclusive um mandato de nosso atual pontífice Bento XVI: “Os espaços sagrados, mesmo fora da ação litúrgica, revistam-se de eloqüência, apresentando o mistério cristão relacionado com a Palavra de Deus, dando-se atenção especial ao ambão, enquanto local litúrgico donde serão proclamadas as leituras. Além disso, os padres sinodais sugerem que, nas igrejas, haja um local de honra onde se possa colocar a Sagrada Escritura mesmo fora da celebração. Realmente é bom que o livro onde está contida a palavra de Deus tenha dentro do templo cristão um lugar visível e de honra, mas sem tirar a centralidade que compete ao sacrário que contém o santíssimo sacramento” (VD 68). Uma alternativa seria ter junto à entrada principal de nossas Igrejas um espaço estável, digno e belo que expusesse o Evangeliário diuturnamente, e deste local transladado pelo diácono ou pelo leitor no início das celebrações dominicais até o altar.
Esse significado é tanto mais eloquente quanto, conforme a antiga tradição, só se depõe sobre o altar o livro dos Evangelhos e o Corpo eucarístico do Senhor. Logo, com muito maior razão é preciso retirar do altar os objetos que nada tem a fazer ali, como as galhetas de água e vinho com a bandeja para lavar as mãos, o manustérgio, etc.
Segue o testemunho de padre Lucien Diens: “Encontrava-me em Assiout, no Médio Egito, para um encontro bíblico. O bispo, de rito copta, convidou-me um dia para visitar sua catedral. Aceitei de boa vontade. Era uma igreja de belas proporções, sem ênfase arquitetônica. Quando entrávamos e nos aproximavamos do altar, o bispo me disse com delicadeza: “Para a visita, o senhor pode tirar seus sapatos”. Eu já o havia tirado discretamente, porque sabia que os cristãos coptas só entram no santuário com os pés descalços. Entramos então, demos uma volta ao redor do altar, com reverência. Um menino, carregando uma cruz, nos precedia, como se fosse uma celebração litúrgica. Saimos depois do santuário, caminhando de costas, pois, conforme a tradição copta, o padre, por deferência, tem sempre sua face voltada para o altar, nunca as costas. Não quero dizer que é preciso “coptizar” nossa liturgia romana. Ela tem sua beleza particular, entretecida de sobriedade e limpidez. Mas podemos deixar-nos instruir com utilidade pelo espírito das liturgias orientais. Em contato com elas, podemos vivificar a veneração devida ao altar, sinal do Cristo e centro da comunidade celebrante. É claro que o simbolismo tão expressivo do Evangeliário sobre o altar só exprime seu forte significado, quando o simbolismo do próprio altar é posto em foco em primeiro lugar”.

sábado, 5 de maio de 2012

Presença real de Cristo na Eucaristia e na Palavra - enfoque antropológico


Presença real de Cristo na Eucaristia e na Palavra
Enfoque antropológico

Após conceituarmos teológica e biblicamente a presença real de Cristo na Palavra, e real e substancial na Eucaristia, convém ampliar a reflexão com as implicações antropológicas destas verdades de fé, pois, embora reais, tais presenças não são realmente visíveis a nós, seres humanos.
Os seres humanos são compostos de cinco sentidos, e necessariamente se utilizam destes para estabelecerem relações com as realidades que os cercam. Com relação a Deus, essencialmente “puro espírito”, não é diferente, e por isso existe a Liturgia: uma forma de experimentar algo que é real, mas não imediatamente sensorial. Logo, para se tornar sensível, a presença de Deus se utiliza da mediação dos sinais sacramentais – realidades visíveis de uma presença real, mas invisível.
Este pressuposto antropológico se faz necessário para qualquer sacramento, inclusive e sobretudo para a Eucaristia, que, para tornar-se substancial, necessita da mediação de duas realidades humanas que são transubstancializadas: pão que se torna corpo, vinho que se torna sangue do Senhor. Visivelmente continua sendo pão, mas pela fé, um Pão tornado Corpo do Senhor. Se vê-Lo (o Senhor Ressuscitado) no pão consagrado é exigente, enxergá-Lo no “nada” tornar-se-ia impensável para nossa condição humana necessitada de sinais que “visibilizem o invisível”.
Diante do exposto, conclui-se que em relação à Eucaristia tem-se maior facilidade para se experimentar o mistério da presença real do Senhor devido ao sinal existente do Pão Consagrado. Conclui-se igualmente a dificuldade de se experimentar o mistério da presença real do Senhor na Palavra celebrada pela falta de algum sinal que, mesmo não sendo substancial, torne visível a realidade da presença espiritual, mística, mas real de Cristo junto aos seus durante a celebração.
Urge buscar meios de tornar tangível a realidade espiritual da presença do Senhor na Palavra. Chegamos então, ao coração de nosso estudo: antropologicamente faz-se necessário a  existência de sinais que nos ajudem a experimentar a presença real do Senhor enquanto se celebra sua presença na Palavra. E estes sinais já existem em nossos ritos celebrativos. Basta-nos descobri-los não como ritos periféricos, decorativos, exigências (seja por parte da Comissão Diocesana ou por organismos superiores da Igreja), mas como aquilo que de fato eles são: sinais tangíveis da presença de Cristo. Em outras palavras: em cada rito que será especificado a seguir, como, por exemplo, a procissão do Evangeliário, deverá a assembleia celebrativa afirmar, mesmo que silenciosamente, no coração, ao ver o Livro dos Evangelhos sendo trasportado até a mesa  da Palavra: “Eu vi o Senhor!”, a exemplo da primeira comunidade logo após a ressurreição (cf. Jo 21,25).

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Presença real de Cristo na Eucaristia e na Palavra - 3ª parte, análise bíblica


Presença real de Cristo na Eucaristia e na Palavra a partir do relato bíblico dos “Discípulos de Emaús”

            Toda a reflexão acima sobre a presença real de Cristo na Palavra e real e substancialmente presente na Eucaristia é iluminada sobejamente pelo relato bíblico dos “Discípulos de Emaús” (Lc 24,13-35). A comunidade peregrina está desanimada: o Senhor está morto e, com ele, todas as aspirações religiosas e até mesmo humanas dos discípulos também desfalecem – faltam-lhes o princípio vital. O Espírito que tornou Cristo um ser vivente para todo o sempre ainda não os havia tocado.
Justamente diante  de todo cansaço da vida, do desânimo em relação ao presente e a falta de expectativa e esperança em relação ao futuro... o Senhor Ressuscitado realmente se faz presente entre eles (cumprindo sua promessa: “onde dois ou mais estão reunidos em meu nome eu estarei no meio deles” Mt 18,20).
            Esta mesma presença real de Cristo no meio da comunidade reunida em oração se torna ainda mais evidente quando Ele começa a refletir a Palavra. Sinal eloquente deste real presença é o sentimento de esperança diante do futuro e de ânimo renovado frente ao presente, simbolizado pelos “corações aquecidos”. É Cristo que fala quando se lêem as Escrituras, seja na experiência de Emaús, seja em cada encontro celebrativo ao redor de sua Palavra; e quando Ele fala, tudo muda, tudo se renova – os corações se aquecem!
Não sem razão a Constituição Conciliar Sacrosanctum Concilium, sobre a Sagrada Liturgia, assim se expressa: “Para realizar tão grande obra de salvação, Cristo está sempre presente na sua igreja, especialmente nas ações litúrgicas. Está presente no sacrifício da Missa, quer na pessoa do ministro – “O que se oferece agora pelo ministério sacerdotal é o mesmo que se ofereceu na Cruz” – quer e sobretudo sob as espécies eucarísticas. Está presente com o seu dinamismo nos Sacramentos, de modo que, quando alguém batiza, é o próprio Cristo que batiza. Está presente na sua Palavra, pois é Ele que fala ao ser lida na Igreja a Sagrada Escritura. Está presente, enfim, quando a Igreja reza e canta, Ele que prometeu: “Onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, Eu estou no meio deles” (Mt. 18,20).
Tal presença real de Cristo em sua Igreja torna-se substancial pela “Fração do Pão” – um dos primeiros modos usados pelos cristãos para designar a Eucaristia. Recorrendo ao dois amigos que partiam para Emaús, a presença de Cristo até então sensível e real apenas pela partilha da Palavra torna-se substancial quando há a partilha do Pão. Esta presença é de tal forma substancial que a própria realidade corpórea do Senhor se desfaz da visão humana para dar lugar ao Pão partido, consagrado, que de ora em diante será a equivalência de sua existência terrena: a mesma substância do seu Ser está presente no Pão, logo, não há mais porquê ser visto humanamente.  
Refeitos pela presença real, substancial e vivente do Mestre, os discípulos se erguem e agora correm para anunciar a boa nova. A consequência do contato com o Ressuscitado, seja realmente presente na oração comum e na Palavra celebrada, seja real e substancialmente presente na Eucaristia, faz com que o discípulo se torne um missionário da esperança.  Contudo, ressalta-se que uma presença não anula a outra, mas complementam-se. Sem a Palavra que aquece os corações quando celebrada, contemplada e orada em comunidade, a Eucaristia não alcança a plenitude de sua eficácia, mesmo com toda a substancialidade do Senhor presente.

Ao final desta postagem, concluimos que a presença real de Cristo "na Eucaristia" é "visivel" por meio do sinal sensível do pão e do vinho consagrados. Hoje, Jesus não caminha visivelmente conosco durante a "Liturgia da Palavra", como caminhou com os discípulos de Emaús, mas nem por isso sua presença é menos real quando celebramos sua Palavra. Todavia, nós, seres humanos, temos necessidade de vê-Lo presente, como vemo-LO na Eucaristia. Como torná-Lo visível? Quais os meios temos à nossa disposição para que a presença real de Cristo na Palavra "toque" aqueles que a celebram? Dê sua opinião...