Formação litúrgica para Leitores - 2ª parte
Um dia, na
Sinagoga de Nazaré, alguém se levantou no meio da assembleia para fazer a
leitura. Era Jesus. Deram-lhe o livro do profeta Isaías. Ele abriu-o e
encontrou a passagem da Escritura onde estava escrito: “O Espírito do Senhor
está sobre mim...” Depois, fechou o livro, devolveu-o ao encarregado e
sentou-se” (Lc 4,16-20). Continuam ser esses os gestos dos leitores hoje: estar
na assembleia, levantar-se, abrir o livro, fazer a leitura e sentar-se. Não
falta sequer o cumprimento da palavra de Isaías, dado que por detrás do leitor
que proclama o texto... é o Espírito Santo que fala.
Tal é o
mistério e a grandeza do ministério litúrgico do Leitor: permitir que o
Espírito do Senhor fale por meio dele e fale antes de tudo a ele, lendo em sua
vida a Palavra que irá anunciar aos seus irmãos.
O
bom Leitor é aquele que se torna o primeiro a deixar-se converter por aquilo
que lê. Durante a leitura, ele recorda em seu coração a realidade vivida pela
Palavra que seus lábios pronunciam. Santo Agostinho nos dá um exemplo ao
comentar o versículo de um salmo: “‘Meus
Deus, salvai-me do pecador, do homem iníquo e violento’. Seja quem for que
proclame este versículo não pode deixar de pensar nas suas próprias
experiências. Quer ouça estas palavras da boca do Leitor, quer as pronuncie ele
mesmo, pensa nos pequenos acontecimentos de sua vida pessoal, de tal inimigo,
em tal outro que o queria maltratar, ou ainda outro que redigiu contra si um
documento difamatório. Por isso podemos vê-lo proclamar com emoção. A
fisionomia de quem lê adapta-se ao texto lido, e por vezes até vemos lágrimas a
correr-lhe pela face abaixo. Suspira a cada palavra, e para quem se deixa levar
por aparências, este homem parece entregar-se verdadeiramente e por inteiro à
Palavra do Senhor: vede como suspira, como suspira profundamente! Poe-se a
proclamar com toda força, com toda a alma, a proclamar com a voz, com o rosto,
do fundo do seu coração: ‘Meu Deus,
salvai-me do pecador, do homem iníquo e violento’, e ao dizer isto, vai
pensando em seu próprio inimigo, e vai experimentando a proteção do Altíssimo”.
Um outro
exemplo de como a Palavra de Deus é viva e eficaz por si mesma, mas dependente
do envolvimento existencial do leitor com a Palavra que irá proclamar,
encontramos em Neemias 8, 1-10:
“Todo o povo
se reuniu então, como um só homem, na praça que ficava diante da porta da Água,
e pediu a Esdras, o escriba (Leitor), que trouxesse o livro da Lei de Moisés,
que o Senhor havia prescrito a Israel. Esdras trouxe o livro diante da
assembléia de homens, mulheres e de todos que fossem capazes de compreender.
Esdras fez então a leitura da lei desde a manhã até o meio-dia; todos escutavam
atentamente a leitura. Esdras subiu ao estrado que haviam construído para a
ocasião, abriu o livro à vista de todo o povo; ele estava, com efeito, elevado
acima da multidão. Quando o Leitor abriu o livro, todo o povo levantou-se. Esdras
bendisse o Senhor, o grande Deus; ao que todo o povo respondeu, levantando as
mãos: Amém! Amém! Depois inclinaram-se e prostraram-se diante do Senhor com a
face por terra. Depois o governador Neemias, Esdras, sacerdote e escriba, e os
levitas que instruíam o povo, disseram a toda a multidão: Este é um dia de
festa consagrado ao Senhor, nosso Deus; não haja nem aflição, nem lágrimas.
Porque todos choravam ao ouvir as palavras da lei. Neemias disse-lhes: Ide para
as vossas casas, fazei um bom jantar, tomai bebidas doces, e reparti com
aqueles que nada têm pronto; porque este dia é um dia de festa consagrado ao
nosso Senhor; não haja tristeza, porque a alegria do Senhor será a vossa
força”.
Por tudo que
foi apresentado, cada comunidade há de procurar as pessoas com mais capacidade
para ler e diligentemente prepará-las para este ministério. Técnica vocal,
dicção correta, adequada entonação para cada momento da leitura são
imprescindíveis. Todavia os fiéis desenvolverão no seu coração um afeto vivo
pelas Sagradas Escrituras – e mais, pelo próprio Senhor que a eles fala – se
não faltar aos Leitores a experiência do mistério que anunciarão nas santas assembleias.
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