O uso do Projetor Multimídia na Liturgia
Elementos
para reflexão
Comissão Episcopal para a Liturgia da CNBB
1. O uso do projetor multimídia
na liturgia é hoje uma realidade frequente em nossas comunidades. Por se tratar
de uma realidade relativamente recente e ainda pouco refletida em nosso meio,
causando discussões e até mesmo divergências de opinião, a Comissão Episcopal Pastoral para
a Liturgia da CNBB quer oferecer, com a presente nota, alguns elementos
para uma reflexão e futuros aprofundamentos da parte do episcopado nacional,
dos liturgistas, dos párocos e todos os agentes de pastoral litúrgica em nosso
país e, sobretudo, daqueles que utilizam o projetor multimídia como recurso
para a liturgia.
2. A partir do Concílio
Vaticano II e da reforma litúrgica dele derivada, como compreender esta
realidade? Seria esta uma simples adaptação à cultura moderna? Apenas uma moda,
como foi com o retroprojetor, que depois caiu em desuso? Uma criatividade
litúrgica? Quais os motivos da introdução deste meio na liturgia? Seria o
projetor multimídia algo a ser realmente necessário na liturgia?
Vendo
a realidade do uso do projetor multimídia na liturgia
3. Em diferentes comunidades, o
projetor multimídia vem sendo utilizado como recurso audiovisual para, por
exemplo:
• projetar cantos num telão ou
numa parede da igreja, inclusive fazendo a correção de textos ou “correndo” com
slides durante a ação ritual;
• projetar as orações
presidenciais, inclusive a oração eucarística, enquanto o presidente as
proclama; projetar as leituras bíblicas enquanto são proclamadas;
• projetar a homilia ou parte
dela, de forma esquemática, enquanto é proferida, chegando até mesmo a ser
acompanhada por trilha sonora;
• projetar, durante a homilia e
a oração eucarística, imagens ou vídeo de Jesus retratando ações
correspondentes a estes momentos rituais como, por exemplo, cenas da última
ceia projetadas durante a narrativa da instituição, no momento em que Jesus
parte o pão;
• projetar ícones em diferentes
momentos da celebração, bem como mensagens após a comunhão;
• e também projetar os textos
da liturgia das horas.
Estes exemplos - como outros que poderiam ser
citados -, nos servirão de referência para refletirmos sobre a complexa realidade
do uso do projetor multimídia na liturgia.
Justificativas
comumente dadas para o uso
4. São várias as justificativas
apresentadas por aqueles que se utilizam deste meio. Dentre elas, elencamos
algumas:
• Por questões econômicas e
ecológicas (menos custos e gastos de papel), a utilização do projetor
multimídia leva a eliminar o uso dos “folhetos litúrgicos” e livros de cantos.
• É mais prático, tendo os textos em um só lugar e projetá-los, do que multiplicar e distribuir papéis, como aqueles usados para os cantos.
• É mais prático, tendo os textos em um só lugar e projetá-los, do que multiplicar e distribuir papéis, como aqueles usados para os cantos.
• O uso do projetor multimídia
ajuda e facilita a participação da assembleia na liturgia, porque ela (a
assembleia) se vê livre e despreocupada de manter folhas e objetos nas mãos.
• O projetor multimídia é mais
rico em recursos do que o retro-projetor, também mais econômico em relação ao
gasto com transparências.
Elementos
para reflexão sobre essa realidade
5. É compreensível a iniciativa
do uso do projetor multimídia com as suas justificativas, pois revelam zelo e
preocupação pastoral em relação à liturgia. No entanto, do ponto de vista
teológico-litúrgico, tudo isso demanda revisão, reflexão e aprofundamento,
tendo em vista, sempre, a participação plena da assembleia.
6. Na reflexão sobre esta
realidade, um primeiro elemento a ser considerado é a noção de participação
ativa na liturgia. O que é mesmo participar de uma ação litúrgica? É participar
da salvação (cf. Sacrosanctum Concilium, SC, 2) que sempre de novo nos é dada
através dos ritos e sinais sensíveis da liturgia da Igreja (cf. SC 5-7), pelos
quais somos incorporados à morte e ressurreição de Cristo em seu mistério
pascal (cf. SC 5-7).
7. Os ritos têm o seu espaço
próprio, cujo centro são as duas mesas: a da Palavra e da Eucaristia. A mesa da
Eucaristia deve ocupar “um lugar que seja de fato o centro para onde
espontaneamente se volte a atenção de toda a assembleia dos fiéis” (Instrução
Geral ao Missal Romano, IGMR, n. 299). Isso significa que nada deve nos distrair deste
centro. Caso contrário, a participação ativa ficará comprometida.
8. A ação salvadora de Deus se
dá, sobretudo, quando, em torno à mesa eucarística, é proclamada a grande ação
de graças da Igreja ao Pai, por Cristo e no Espírito Santo. De fato, a oração
eucarística é o “centro e ápice de toda a celebração” (IGMR n. 78), quando a
mente e o coração de todos devem se voltar para o alto, isto é, para Deus.
Portanto, no momento da sua proclamação, é importante que o foco das atenções
esteja no altar para acompanharmos e participarmos deste momento ritual. Por
isso, não convém que a assembleia acompanhe o texto da oração eucarística,
seja ele impresso ou projetado, mas, com os olhos voltados para o altar, ouça a
voz do presidente que proclama a solene ação de graças. Neste momento, não pode
a assembleia centrar-se em imagens ou filmes projetados no telão – nem mesmo
deverá centrar-se no texto da referida oração enquanto esta é projetada, mas
sim no altar do Senhor e na oração em si que deste local é elevada ao Pai por
meio daquele que preside a assembleia. As aclamações da assembléia poderiam ser
proferidas ou preferencialmente cantadas pelo diácono ou outro ministro do
canto e repetidas pelo povo.
9. O que foi dito sobre mesa
eucarística, pode-se também dizer sobre a mesa da Palavra, como nos ensina a
Igreja: “A dignidade da Palavra de Deus requer na Igreja um lugar condigno de
onde possa ser anunciada e para onde se volte espontaneamente a atenção dos
fiéis no momento da liturgia da Palavra” (IGMR n. 309). Consequentemente, a
Palavra de Deus, quando proclamada e partilhada pela homilia, exige de nós a atitude
discipular de escuta. Na liturgia, ela está para ser proclamada e
ouvida. Assim sendo, estaria muito mais de acordo com a natureza da liturgia a
assembleia voltar-se para o ambão, com olhos e ouvidos atentos ao ministro que
proclama a Palavra “em voz alta e distinta” (cf. IGMR 38), em vez de
acompanhá-la com os olhos fixos num texto impresso ou em projeções no telão –
sejam elas do texto que se está proclamando, sejam de imagens relativas ao conteúdo
do mesmo.
10. A participação ativa na liturgia
exige uma interação entre quem proclama a Palavra e a assembleia que a escuta,
entre a presidência e assembleia, entre esses e o próprio Deus, entre Deus e o
seu povo, por força das ações rituais. Ao mesmo tempo, exige o uso
cuidadoso dos livros litúrgicos, porque eles “lembram aos fiéis a presença de
Deus que fala a seu povo... e são sinais e símbolos das realidades do alto na
ação litúrgica” (Introdução ao Lecionário da Missa, ILM, 35), não
devendo por isso ser “substituídos por outros subsídios de ordem pastoral” (ILM
37), sejam eles impressos ou projeções.
11. O Concílio Vaticano II
resgatou a ampla compreensão de presença real de Jesus Cristo na liturgia (no
ministro, na Palavra, na assembleia reunida e orante, nos sacramentos,
sobretudo nas espécies eucarísticas), proclamando que Cristo mesmo age nas
ações litúrgicas (cf. SC 7). A Igreja nos convoca, pois, a valorizar estas
diversas presenças. Imagens projetadas durante a celebração desviam a nossa atenção da ação
de Jesus Cristo, aqui e agora, na própria ação ritual. Além disso,
sendo o filme, ou vídeo, um acontecimento em si mesmo, não se destina a
ilustrar outro acontecimento que é o mistério de Cristo e da Igreja na própria
ação ritual em ato. Se temos a necessidade da projeção de imagens do passado,
talvez o seja pela nossa dificuldade em viver no presente aquilo que as ações
rituais tornam realidade. A solução não se encontra em paliativos
áudio-visuais teatralizantes mas na busca de uma celebração cada vez mais
autêntica em seus ritos e na Palavra proclamada por parte dos ministros
responsáveis pelas mesmas.
12. O ministro, tanto no momento de
proclamar a Palavra como na ação ritual de presidir a Eucaristia, age in
persona Christi. O Cristo assume a voz, o olhar, o rosto, os braços, o corpo
todo do ministro para, por ele, se comunicar com o povo cristão reunido em
assembleia e, na unidade do Espírito Santo, glorificar ao Pai. Então, como fica
quando a assembléia se vê obrigada a ter que desviar sua atenção para o telão,
exatamente quando teria de contemplar a ação do Cristo vivo na pessoa do
ministro? E como fica aí a “participação ativa”, no verdadeiro sentido
teológico-litúrgico, pedida com insistência pelo Vaticano II?
13. O uso do projetor multimídia na
liturgia, como estamos vendo, além de interferir na ação ritual, entra em
competição com a liturgia, gerando distração.
14. O uso didático do projetor
multimídia, utilizando aparelhos (computador, fiação, projetor, mesa, telão), sem
dúvida interfere na composição e na estética do próprio espaço celebrativo
enquanto “sinal e símbolo das coisas divinas” (cf. IGMR 288). Dependendo da
localização, não seria o projetor multimídia um elemento estranho ao espaço
celebrativo, dificultando a execução das ações sagradas e a ativa participação
dos fiéis? Na verdade, com o uso desses aparatos corre-se inclusive o risco de
tornar o espaço celebrativo em quase “sala de aula”, de “conferência”, ou uma
extensão da minha “sala de TV”.
15. Além do mais, com o uso de
projetor multimídia na liturgia, não se corre o risco da acomodação, no
sentido de não se precisar mais investir na formação litúrgica e nem mesmo
buscar uma melhor qualidade do espaço celebrativo e, sobretudo, dos
ministérios?
16. O problema maior, talvez,
está na falta de iniciação litúrgico-ritual. Qual o lugar que a liturgia ocupa
na catequese? O que normalmente se ensina aos agentes de pastoral e
comunidades? Quem o faz e que metodologia utiliza? Como estão sendo formados os
futuros presbíteros e diáconos? A formação litúrgica muitas vezes fica
reduzida a teoria, sem a devida formação para a ritualidade conjugada com a
espiritualidade. Resultado: Recorre-se a folhetos, ao uso do projetor
multimídia etc., desfocando assim a atenção da assembleia daquilo que é central
na celebração. Liturgia é eminentemente ação, celebração: ação de Cristo e da
Igreja, ação da assembleia em Cristo e no Espírito. Assim sendo, não tem como
ser ela acompanhada por outra ação paralela assistida no telão. Não
somos expectadores mas participantes.
17. Enfim, podem as novas tecnologias
colaborar em favor de uma liturgia participativa, pascal, simbólica e orante? É
possível? Com certeza, e muito! Onde? Na catequese como preparação para o bem
celebrar, nos cursos em preparação ao batismo e ao matrimônio, bem como nos
cursos de formação litúrgica em geral. Aí, nestes espaços, o projetor
multimídia presta, sem dúvida, um notável serviço à sagrada liturgia.
18. Que o Espírito Santo
nos ilumine, para que, a partir de uma séria reflexão sobre o uso do projetor
multimídia em nossas liturgias, possamos qualificar sempre mais nossas
celebrações e todos os seus ministérios. Tudo para que nossas assembléias
litúrgicas, corpo eclesial de Cristo, possam sentir-se plenamente sujeito das
ações rituais e, ao mesmo tempo, todas as pessoas que as compõem sintam-se
envolvidas pelo mistério da salvação e glorifiquem ao Pai por uma vida santa.
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