O que mudou no abraço da paz?
Na última postagem iniciamos nossa reflexão acerca das orientações que Roma
enviou a todas as Dioceses acerca do momento ritual da paz dentro da celebração
Eucarística. Não poucos irmãos e irmãs interessados na liturgia da Igreja ainda
estão se questionando: o que mudou? Eis algumas considerações:
1ª mudança: a Santa Sé nos presenteou com uma excelente reflexão teológica
sobre o significado do abraço da paz tal qual está disposta em nosso rito
latino: no momento dos preparativos para a comunhão sacramental. Durante os
estudos sobre o rito do abraço da paz, cogitou-se a possibilidade de
transferi-lo para antes da apresentação das oferendas, conforme o texto de Mt
5,23s: “Portanto, se trouxeres a tua oferta ao altar, e aí te lembrares de que
teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa ali diante do altar a tua oferta, e
vai reconciliar-te primeiro com teu irmão e, depois, vem e apresenta a tua
oferta”. Tal proposta não foi aceita pelos peritos em liturgia – e isto foi
confirmado pelo Papa Francisco – porque a paz, em nosso rito latino, não é
fruto de uma mera reconciliação entre irmãos; a paz é o primeiro Dom de Jesus
Ressuscitado, que tão logo ao ressuscitar, pôs-se entre os discípulos e
concedeu-lhes tão preciso dom: “A paz esteja convosco”. Em cada Eucaristia
celebrada, antes de nos aproximarmos para comer e beber o Corpo e o Sangue do
Senhor Ressuscitado, Ele renova, para a Sua Igreja, a concessão do dom da paz.
É certo que a reconciliação entre os irmãos também deve existir como
característica dos cristãos, mas esta reconciliação deverá ser consequência do
encontro com Jesus Ressuscitado que nos garante a paz duradoura.
2ª mudança: Se
a primeira mudança foi muito teológica, teórica e densa, a segunda mudança
entra no campo prático: será necessário que no momento de dar-se a paz se
evitem alguns abusos tais como:
- A introdução de um “canto para
a paz”, inexistente no Rito romano.
- Os deslocamentos dos fiéis para
trocar a paz.
- Que o sacerdote abandone o
altar para dar a paz a alguns fiéis.
- Que em algumas circunstâncias,
como a solenidade de Páscoa ou de Natal, ou Confirmação, o Matrimônio, as
sagradas Ordens, as Profissões religiosas ou as Exéquias, o dar-se a paz seja
ocasião para felicitar ou expressar condolências entre os presentes.
Porque estas
mudanças práticas são necessárias? Primeiro, em sinal de respeito pela
sacralidade do momento em que este rito acontece: A Eucaristia já está presente
sobre o altar. Em nossas igrejas e comunidades, sobretudo em nossa tradição
latino-americana, este momento da celebração torna-se como um “intervalo”
dentro da missa. Um momento de descontração e confraternização entre irmãos. Há
tanta festa na troca de afetuosos abraços, música e palmas, deslocamentos
inclusive entre os ministros do Altar, que em não poucas situações a Eucaristia
fica como que “esquecida” sobre o altar. A intenção da Igreja com estas novas
orientações é impedir que este momento de “descontração” aconteça, a fim de que
se evidencie mais o caráter sagrado que o momento ritual exige: a presença
sacramental do Senhor Jesus. Em segundo lugar, estas mudanças querem nos
esclarecer uma premissa importante: neste momento da missa, nós não nos
cumprimentamos “socialmente”. Não nos parabenizamos por alguma data significativa
que seja celebrada naquela ocasião, não nos consolamos pelo falecimento de
algum irmão, não expressamos votos de um bom Natal, ano novo ou Páscoa. Neste
momento da celebração, eu devo ser para meu irmão a imagem e a presença de
Cristo Ressuscitado que se dirige a ele para entregar-lhe o Dom da Paz nascido
de sua morte e ressurreição. O gesto pode ser idêntico: dar-se as mãos, talvez
um abraço ou mesmo um beijo na face; mas o significado é bem distinto: não o
cumprimento por mim mesmo, mas sou para ele – bem como ele é para mim – a
presença do sagrado, a presença, o calor, o afeto, a PAZ de Jesus Ressuscitado.
Por isso não dizemos neste momento: meus parabéns; felicidades; meus
sentimentos. Nós dizemos: “a paz do Senhor esteja contigo!”.
3ª mudança:
Prosseguindo a reflexão teológica iniciada pela carta circular, quero deter-me
agora sobre o rito do abraço de acolhida que acontece na conclusão dos ritos
sacramentais próprio do Sacramento da Ordem. Conforme afirma as rubricas do
Pontifical Romano, logo após a ordenação de um novo bispo, “o ordenado se
levanta e recebe a saudação de paz do Ordenante principal e de todos os bispos” (Pontifical p.
80). Esta prescrição litúrgica é cumprida, via de regra, à risca nas ordenações
episcopais: somente os bispos saúdam o novo bispo. O problema está nas
ordenações presbiterais e diaconais. Em cada uma das ordenações, o abraço dado
ao ordenado não quer ser uma ocasião de expressar os parabéns por uma vitória
alcançada, nem mesmo desejar bons augúrios no exercício ministerial. Este
abraço significa acolhida no grau da ordem recebida e, igualmente, acolhida do
dom da paz. Por isso as rubricas do Pontifical assim se expressam na Ordenação
Presbiteral: “por fim, o Bispo acolhe o ordenado para o abraço da paz. Os presbíteros presentes ou ao
menos alguns deles, fazem o mesmo” (p. 132); e na Ordenação Diaconal: “por fim,
o Bispo acolhe o ordenado para o abraço da paz. Os diáconos presentes ou ao menos alguns deles, fazem o mesmo”
(p. 174). Isto daria mais sobriedade às ordenações e expressaria melhor o
sentido teológico deste momento ritual.
Mas, e o
abraço carinhoso que o ordenado espera por anos receber de seus pais,
familiares próximos e padrinhos, e, costumeiramente, é acompanhado de uma
explosão de emoção por parte dos envolvidos no abraço e por toda a comunidade
reunida? Uma possibilidade será transferi-lo como momento conclusivo dos
agradecimentos do Ordenado, antes da benção final. Penso que este seria um
contexto de desejar parabéns e expressar o carinho familiar, enquanto o momento
ritual será ocasião para que o neo-ordenado se sinta parte de uma nova família
espiritual que o acolhe como um irmão mais novo.
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